top of page

ASSÉDIO CONTRA AS MULHERES: AS MARCAS QUE SINALIZAM A LUTA

  • Foto do escritor: Anhembi Digital
    Anhembi Digital
  • 28 de nov. de 2018
  • 10 min de leitura

Atualizado: 17 de mar. de 2019

De piadas nas ruas à violação de seus corpos, mulheres travam uma batalha contínua contra a perseguição de seus agressores


Por: Eloiza Amaral, Gustavo Gonçalves, Kelly Amorim, Letícia Bandeira, Luiz Felipe, Mayara Lins e Paula Apolinário.


Que liberdade é essa que te dá medo de andar na rua sozinha? Que liberdade é essa que você precisa pensar dez vezes antes de escolher uma roupa? Que liberdade é essa que te prende na incerteza se vai voltar bem para casa? A luta pela liberdade é a luta das mulheres.

"Tive medo e nojo de mim mesma." - Em transporte público

A violência contra as mulheres ocorre diariamente em todos os cantos do Brasil e afeta todas as classes sociais e etnias. Segundo dados do 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública editado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o número alarmante de mulheres assassinadas, registradas como feminicídio, aumentou de 929 para 1133 entre 2016 e 2017, o que mostra um problema de ordem privada e individual, responsabilidade da sociedade como um todo.

Fonte: FBSP
Fonte: FBSP

O movimento feminista tem sido fundamental para combater os obstáculos da sociedade machista, fortalecendo a união entre mulheres, gerando resistência coletiva e ganhando força em um mundo onde as mulheres são tão objetificadas. De acordo com a política espanhola Amparo Rubiales, que também é advogada e feminista, em entrevista para o jornal El País, o patriarcado é manter a ideia de que há tantos feminismos quanto mulheres e que basta que uma mulher diga algo porque ‘ela quer’ para que esse algo seja ‘feminista’ e que todas nós sejamos desqualificadas. Segundo Rubiales, elas sobrevivem ao patriarcado, ao salários inferiores, aos padrões de beleza e ao assédio, e mesmo com tudo isso ainda há forças para lutar.

"Quase apanhei por dizer “não”." - Em bloco de carnaval

Leis que protegem a mulher

Apesar da primeira Delegacia de Defesa da Mulher ter sido fundada em 1985 em São Paulo, o marco da elaboração de uma legislação específica para tratar de questões sobre violência doméstica só aconteceu em 2006 através da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tinha como objetivo ‘’criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher’’ através de inovações como a extinção de penas alternativas para os agressores e a possibilidade de autuação de pena em flagrante.


Maria da Penha, mulher que impulsionou a origem da lei. Foto: Reprodução.

De acordo com o artigo 5º desta lei, ‘’configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial’’. E tem mais: as formas de violência amparadas podem ser de tipo física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

"Sai de lá chorando. Apavorada." - Em balada

Durante os governos da presidente Dilma Rousseff e do presidente Michel Temer, impulsionados pelo crescimento de diversos movimentos feministas em todos o país, foram anexados mecanismo de auxílio a lei Maria da Penha, tais como:

Lei 12845/13 – Garante atendimento emergencial, integral e multidisciplinar pelo SUS para vítimas de violência sexual. São tratados agravos físicos e psíquicos, e é feito o encaminhamento a assistência social, caso necessário. Cabe também aos médicos a realização do exame de DNA para a tentativa de identificação do agressor.

Lei 13.239/15 - Conhecida como lei de reparação, confere ao SUS a obrigatoriedade da realização de cirurgias plásticas às vítimas de violência doméstica.

Lei 13505/17 - Dispõe em caso de violência doméstica e familiar a realização de atendimento policial e médico preferencialmente por profissionais do sexo feminino, o que garante maior amparo.


Mais uma vitória para as mulheres aconteceu em setembro de 2018 com a Lei 13.718/18, conhecida como Lei da Importunação Sexual, que tipifica os crimes de importunação sexual, assédio que ocorre em locais públicos, e de divulgação de cena de estupro, nudez, sexo e pornografia sem consentimento, conteúdos que infelizmente são bastante comuns nas redes sociais, principalmente com o término de relações afetivas.


A nova lei ainda aumenta a pena de estupro coletivo e corretivo tanto para os autores quando cúmplices que não participaram do ato em si. A pena ainda pode ser acrescida caso o agressor já tenha estado em uma relação com a vítima ou cometa o crime como forma de humilhação e vingança. Vale ressaltar que, a partir de agora, a acusação é incondicionada, ou seja, pode ser feita ao Ministério Público independente da vontade de quem sofreu o abuso.


A advogada Isabella Moises explica como dar prosseguimento às denúncias de violência contra as mulheres. Assista ao vídeo para saber mais:


Vídeo: Letícia Bandeira



A delegada Floralice do Carmo, da Delegacia do Embu das Artes, explica quais as primeiras medidas que a mulher deve tomar ao sofrer qualquer tipo de violência. Ouça:




A importância das delegacias para a denúncia de assédio

Em meio aos fatores socioculturais que motivam o assédio nos locais públicos, é de imprescindível relevância o papel das delegacias especializadas para a denúncia do ato malfeitor, pois, além de punir o assediador, é de se esperar que o local seja fundamentado em um processo humanitário para atender às vítimas.


"Me afastei do rapaz, porém ele chegou mais perto e continuou passando a mão na minha perna." - Em transporte público

Foto: Divulgação/Governo de Estado de São Paulo

Atualmente o Estado de São Paulo conta com 133 Delegacias de Defesa da Mulher (DDM). Nove delas estão localizadas na capital, 19 na Região Metropolitana e 108 no interior e litoral. Nelas há equipes especializadas e já vocacionadas neste tipo de atendimento. Tendo em vista que o primeiro atendimento é primordial para que a mulher se sinta recepcionada no ambiente, é recomendável que ela se dirija a uma DDM mais próxima, devido o conjunto especializado de profissionais que a cercam.

Entretanto, com base em pesquisa feita com 40 mulheres via Google Forms, 40% consideram que o ambiente e os funcionários da delegacia não a incentivaram a denunciar o caso de assédio. Assim o medo do que esperar do atendimento em delegacias acaba por ser reforçado pelas absurdas especificidades que são exigidas em meio a denúncia ou até mesmo da falta de profissionais no local, tornando impensável a vítima denunciar o caso. Desse modo, tanto o receio de denunciar como a vergonha do ocorrido acabam por infelizmente não corresponder ao número de casos com os números em registro.

Além de aprovar leis em prol do combate da violência sexual, a Prefeitura do Governo de São Paulo também disponibiliza o Serviço de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, com o objetivo de proteger a vítima. O programa proporciona atendimento psicológico e jurídico às vítimas de violência doméstica e sexual.


A voz das sem vozes

Em pesquisa realizada através de questionário via Google Forms para esta reportagem, 147 mulheres relataram suas experiências com assédio na cidade de São Paulo. Os números impressionam, já que a maioria das entrevistadas sofreu o primeiro assédio antes dos 13 anos.

Os dados da pesquisa foram expostos no infográfico abaixo:


Imagem: Mayara Lins

‘’Quando eu tinha 15 anos, estava voltando da escola para casa por volta do meio dia e resolvi ir a pé com uma amiga. Estávamos andando e conversando, quando de repente passa um cara andando de bicicleta e aperta a minha bunda. Ele ri e continua o trajeto. Eu sem reação fiquei parada, enquanto a minha amiga gritava para o homem. Fiquei me questionando se a culpa era minha, se eram as minhas vestes, mas eu estava de calça e moletom.’’

Relatos recolhidos das vítimas


O assédio aos olhos da Psicologia

Com a concepção histórica de inferioridade feminina, a mulher é vista pelos homens como um objeto, algo que deve e sempre está à sua disposição.


Essa noção machista dificulta até mesmo o trânsito e a ocupação do espaço público pelas mulheres. Seu modo de agir e de se vestir, sejam eles quais forem, são interpretados como convites de aproximação, comentários e contato físico.

O assédio contra a mulher, com o passar dos anos, passou a ser mais discutido e estudado pela sociedade. A Psicologia se dedica a identificar e analisar as consequências psicossomáticas desencadeadas por essa experiência, sejam elas a curto ou a longo prazo.

“A dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo ser [...] é um ser-percebido [...], tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos, atraentes, disponíveis.” (BOURDIEU, 1999)

No livro “Assédio Moral – A Violência Perversa no Cotidiano”, a médica francesa especializada em vitimologia e psicanálise Marie-France Hirigoyen aponta que a confusão é o primeiro sentimento desencadeado pelo assédio: a vítima não sabe como reagir. Não sabe se deve se queixar do que está acontecendo, pois se sente anestesiada. Esse sentimento cresce depois do ocorrido, causando um vazio na cabeça e dificuldade de raciocinar

Uma vítima de assédio, a princípio, pode não entender que foi assediada. O choque, uma das consequências identificáveis, acontece quando a vítima toma consciência da agressão. A psicóloga clínica Gertrudes F. da Silva Barbieri explica que isso leva a pensamentos como “Por que comigo? O que eu fiz de errado?”. A mulher se sente violada, degradada e, com isso, passa a se relacionar de forma diferente com seu corpo, buscando escondê-lo ou torná-lo repulsivo. O sentimento de inferioridade e constrangimento calam a vítima, não permitindo que ela compartilhe a experiência, seja com pessoas próximas, médicos ou com a polícia.

A Psicologia foi capaz de verificar traços comuns e recorrentes na personalidade do praticante do assédio moral. “Ele tem personalidade narcisista, com as seguintes características: fantasias de sucesso ilimitado e de poder, acredita ser especial e singular, tem excessiva necessidade de ser admirado, pensa que tudo lhe é devido, explora o outro nas relações interpessoais, inveja muito os outros e tem atitudes e comportamentos arrogantes. Esse também esconde as próprias feridas, e que espera e machuca o outro para se sentir bem”, diz Gertrudes.

De acordo com a psicóloga, a psicoterapia, juntamente com o acolhimento de amigos e familiares, se responsabiliza por fortalecer a paciente, ajudando-a a compreender o que aconteceu, a se livrar do sentimento de culpa e a recuperar sua autoestima.

“As convenções sociais ensinam às mulheres da “boa sociedade” que, no espaço público, é preciso que sejam discretas, dissimulem suas formas, segundo códigos variáveis, segundo o lugar e o tempo. Seu corpo é objeto de censuras que traduzem as obsessões eróticas de uma época e que se inscrevem na orientação da moda, do comportamento e vestuário das mulheres. Até mesmo os cabelos, símbolos supremos da feminilidade, devem ser disciplinados”. (PERROT, 2003)


Como educar uma sociedade machista


O sociólogo e mestre em História, Sociedade e Cultura pela PUC-SP, Luciano Portela, explica os problemas provocados pelo machismo na sociedade atual. Portela aponta meios para encontrar soluções para diminuir as estatísticas de violência contra a mulher, através da importância de discutir esse assunto como utilidade pública e tentando desconstruir esse problema histórico e cultural com base num novo modelo de educação masculina.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:


1. Você poderia me explicar um pouco o contexto histórico do assédio?

Em primeiro lugar se analisarmos a origem da palavra assédio, vem da palavra latina obsidere; palavra que dentre os significados têm o de "sitiar" uma mulher. Controlando sua conduta e comportamento. Historicamente a sociedade ocidental se deparou com esse problema, de homens que, de acordo com sua conduta atacavam, assediavam e controlavam as mulheres. Dentre essas práticas eu acredito que uma coisa não se atentaram. A própria educação masculina é o fator que atrapalha essa emancipação. Simone De Beauvoir no livro O Segundo Sexo foi quem começou a perceber isso.


2. Como este tipo de violência impacta no desenvolvimento da sociedade?

Acredito que a cultura machista é produto histórico, mas também um hábito cultural. Para que isso mude é necessário uma prática diária. A educação informal pode ter peso, mas existem mães que reproduzem machismo. O que pode ajudar de forma essencial é o acesso a informação, para mulheres e principalmente para nós homens. Temos que conceder o lugar de fala das mulheres, assim poderemos construir uma sociedade mais equivalente e igualitária.


3. Seria um caminho para minimizar os problemas implantar debates para a reflexão sobre a cultura do machismo?

Acredito que sim e acho essencial. Já parou para pensar quantos homens você já viu debatendo sobre a própria conduta machista? Nenhum, né? Então, não que isso seja uma falha das mulheres, mas quanto mais pontos educacionais e de debate existirem, é possível que muitos desses homens repensem suas condutas, assim como a exposição de agressores.


4. Como você acha que isso poderia ser abordado?

Em minhas aulas quando abordo o feminismo, e até questões ligadas a gênero, procuro primeiramente silenciar os homens. Homens em geral, e isso tem muito haver com a posição privilegiada socialmente que ocupam, têm muita dificuldade em sair do que entendem como espaço. Então, os abordo com jeito e demonstro que nessa aula eles serão apenas ouvintes. Deixo as mulheres conduzirem a aula fazendo seus relatos pessoais, começo por pequenas coisas: roupas, andar a noite na rua, sobre o que podem pensar delas, a exposição sobre as próprias emoções, nudes de Whatsapp, família, etc. Todas, sem exceção, tem alguma história pessoal de algum abuso, no campo psicológico, físico ou alguma exposição. Isso fazem os meninos pensarem, mostro a eles que são agentes históricos e que devem agir nessas situações. Seja no simples momento em que o amigo faz aquela piadinha machista ou quando ele vai abordar à força uma moça na baladinha. O abuso masculino está nessas pequenas situações que jamais devem ser banalizadas. Assim, eu digo a eles: pensem nessas situações acontecendo com suas irmãs, tias ou mães.


Manifestação Contra Bolsonaro em frente ao Theatro Municipal Foto: Eloiza Amaral

5. Onde você acha que as políticas públicas estão errando na abordagem e prevenção?

Não acho que as políticas públicas errem. Acredito que apesar de não possuírem estrutura suficiente as coisas podem acontecer. O real problema ao meu ver está no campo político da coisa. Para se ter pautas femininas temos que dar espaço às mulheres também, e isso ainda é pouco pensado. Só com mulheres no campo político, ocupando cargos de importância, as discussões sobre o aborto poderão tomar corpo. Uma coisa me anima: perceber que elas não aceitam nenhum retrocesso dos seus direitos. Vide pelo movimento #EleNao, que tomou as ruas recentemente, e eu pude presenciar, me faz ter fé em novas mudanças.




O poder das ONGS no auxílio a vítima


A vítima de violência/abuso sexual deve procurar a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) mais próxima (onde encontrar). Após realizar a denúncia, ela pode entrar com um pedido de medida protetiva imediatamente. Em São Paulo, as vítimas são levadas e orientadas ao Centro de Referência da Mulher, onde são atendidas e medicadas no Hospital Pérola Byinton

Aquelas que não se sentem seguras em procurar a DDM podem optar por procurar ajuda em alguma ONG e/ou Programa. Existem inúmeros programas e organizações sociais em prol de ajudar mulheres. Conheça algumas:


Prêmio recebido pelo Governo do Estado de São Paulo. Foto: Reprodução

O SOS Ação Mulher e Família é uma organização municipal e estadual fundada em 1980 em Campinas. Oferece atendimento psicológico, social e jurídico a mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e de gênero (espancamento e crimes sexuais).

O Programa Bem Me Quer auxilia a vítima na prevenção da gravidez decorrente da violência sexual, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e prevenção da hepatite B. Além disso, promove o atendimento de solicitações de abortamento por gravidez decorrente de estupro. Oferece também atendimentos psicológico e social. O programa promove workshops mensais com diversos temas sobre os direitos da mulher, ativismo e controle social.

A ONG Santa foi fundada em 1993 com o intuito de ajudar e acolher crianças vítimas de maus tratos e violência sexual. A maioria das crianças ajudadas moram nas ruas e não possui um amparo familiar. Após promover os primeiros cuidados, a ONG procura acolher a mulher com programas como: “Minha Casa” que recebe meninas entre 0-18 anos e o “Programa Vovó Ilza” que protege meninas entre 11-18 anos. A organização não governamental conta com 50 colaboradores, entre eles assistentes sociais e psicólogos.


Comentários


bottom of page